A Toca de Verme Branco: Cult porque é bom e bom porque é ruim!





Por L. Meder         
Em The Lair of The White Worm (A Toca do Verme Branco), seu ultimo livro, Bram Stoker evoca reminiscências de sua obra prima, Drácula. Porém esta curiosa novela é mais que uma estória de terror. É antes de tudo uma deliciosa e confusa fantasia, onde o horrível, o cômico e o surreal convivem de braços dados.
         Na Inglaterra rural de 1860, Adam Salton conhece seu tio-avó e torna-se herdeiro de uma grande fortuna em latifúndios. Entretanto, sua tranquila vida muda ainda mais quando conhece seus exóticos vizinhos: Edgar Caswall, o obsessivo proprietário do castelo de Castra Régis, suas arrendatárias Mimi e Lilla Watford, o lacaio africano Oolanga e a misteriosa Lady Arabella March, dona de um terrível segredo.
         Considerada pela crítica mordaz uma novela medíocre e de segunda categoria, este livro, que é a segunda obra mais conhecida de Stoker e continua a ser lida por seu estranho charme, isto porque, não há nada igual a ele em toda a literatura fantástica, talvez universal.
Usando a estrutura de seu grande sucesso, Stoker recria a lenda do Dragão de Lambton, mas evita a pesada atmosfera das tradicionais estórias de terror e inova com um enredo labiríntico e desconexo, enlaça temas secundários em um enredo maior, fazendo do leitor testemunha de um tresloucado e divertido pesadelo com intrigas rurais, forças psíquicas, mistério insolúveis e a saborosa ironia inglesa.
         Certo tradutor disse que "há um mistério nas páginas desse livro. Talvez o mistério da vida do autor". Quem sabe? Fato é que A Toca do Verme Branco é uma obra enigmática e sobrevivente, como a criatura pré-histórica que lhe dá título. Apenas nas duas últimas décadas é que ele foi redescoberto e tem sido editado com constância. E da mesma forma muito se perguntam: Como esse livro ainda pode ser lembrado? Quem se presta a editar um fracasso desses?

revista em quadrinhos da Grafic Classic
         Aqui no Brasil, ele pode se encontrado apenas nos sebos em duas traduções, uma mais cuidadosa, da ediouro com o bisonho título de O Castelo da Serpente e outra com o título de O Monstro Branco. Lá fora tem se tornado tão lido nos últimos anos, que já virou até revista em quadrinhos de uma coleção de horror cult.
         Há mesmo um mistério ao redor desse livro. Como uma obra tão desconexa pode fazer tanto sucesso? A crítica se divide equilibradamente: uns louvando-o como obra memorável e derradeira de um escritor às portas da morte, outros como o resquício decadente das suas capacidades.  Não obstante, desde 1911 o livro resiste e volta e meia surge com uma nova edição, arrebanhando fãs fervorosos e opositores ferrenhos. Dos anos 90 para cá, praticamente todos os anos houve uma nova edição. De 1911 até a década de 50 o livro foi deixado no ostracismo. Na década de 50, com o retorno de suas edições, chegou a ser proibido em escolas e bibliotecas públicas por seu conteúdo abertamente racista e irônico.  Hoje o livros atrai leitores porque seus defeitos e idiossincrasias se assemelham às tendências da literatura moderna. O mesmo aconteceu com Moby Dick, considerado confuso e mal escrito, é hoje a pedra de toque da literatura americana. Stoker talvez jamais imaginasse  que sua fantasia mórbida pudesse voltar as livrarias com status de cult.

         Nos últimos anos de sua vida, Stoker sofria com sífilis e com o ópio, utilizado para aliviar seu tormento, foi sob essas circunstâncias que nasceu A Toca do Verme Branco, escrito à força. Quando enfim o livro foi editado, Stoker teve de brigar com os editores que o achavam longo e arrastado. Mas o autor fez valer a sua vontade e o livro chegou às livrarias como ele desejava. Entretanto, após sua morte, os editores aproveitaram a liberdade e em 1925, editaram o livro numa edição resumida. A obra que possuía 40 capítulos passou desde então a 28. Quase metade da obra foi mutilada e segue assim até hoje, em todas as línguas para as quais é traduzida.
         Essa mutilação em parte é a grande responsável pela crítica severa que considera o livro um rascunho medíocre do que poderia ser uma novela de terror. O resumo tornou a história mais confusa do que já era, e deixou mais pontas soltas do que já havia, fazendo prevalecer nela o aspecto do absurdo muito mais do que o do terror. Todavia o livro permanece firme como o monstro que habita suas páginas.
Recordo que tomei conhecimento dele, ao ler o prefácio que Stephen King fez para uma edição de aniversário de Drácula, e logo tratei de procura-lo, passei quatro anos buscando sem sucesso, até que encontrei uma cópia e depois outra com traduções diferentes. Hoje possuo as duas, uma feita direto do inglês e outra por intermédio do francês.

Edição francesa
Perdi a conta de quantas vezes li esse livro inteiro ou em partes. Simplesmente estava fascinado, não só pela sua estória estranha, mas também pelos defeitos narrativos dela. A narrativa tem tantos furos que o verme poderia viver confortavelmente dentro dela. Mesmo assim me fascinava. Foi na época da faculdade, e fiz uso justamente do meu aprendizado sobre narrativa e estudo de literatura comparada, para descobrir qual era o segredo do livro. Demorou mas eu consegui, e o fato de descobrir fez com que o apreciasse e o tivesse como um dos mais queridos da minha biblioteca.
A Toca do Verme Branco é com uma grande caça ao tesouro, tanto o leitor como os personagens estão atrás de algo. O leitor procura o fio da trama, e cada personagem busca a solução dos seus problemas e é aí que está o segredo da narrativa: Stoker nos apresenta tudo em primeiro plano, como se tudo fosse uma única estória, porém após reunir todos os personagens, ele quebra a narrativa e cada capítulo, daí por diante, desenvolverá pequenas narrativas particulares a cada personagem.
Edgard Caswall deseja dominar não só o mundo físico, mas também o mundo psíquico ao seu redor, e isso inclui as almas das jovens Mimi e Lilla Watford. Oolanga, seu fiel lacaio, é um negro fascinado por Lady Arabella, com quem pretende satisfazer suas pulsões sexuais. Arabella March, uma aristocrata decadente, precisa urgentemente conseguir um casamento para pagar suas dívidas, preservar sua propriedade e manter seguro seu nojento segredo. Por fim, Adam Salton e Sir Nathaniel de Salis, estão dispostos a tudo para confirmar a lenda de uma terrível criatura pré-histórica que habita a região.
As narrativas vez por outra se cruzam numa curiosa e divertida rede de intrigas. É então que o absurdo de manifesta como expediente narrativo, pois os capítulos acabam em aberto, e depois vemos os personagens em novas situações e com outros objetivos. Nesse momento todo o leitor se pergunta, que diabos está acontecendo afinal??? Estão todos loucos, mas que estória sem pé nem cabeça!
Stoker usou o mesmo recurso para escrever Drácula, só que ao contrário. Na novela do conde vampiro, há varias tramas, cada uma em um plano, na medida em que a estória segue, elas vão se reunindo em um único plano, dando unidade a narrativa. No caso do Verme Branco, ele inverte, começa tudo em um único plano e vai fragmentando a narrativa, até termos a sensação de que a cada capítulo é uma estória em si. Assim, as tramas se abrem como uma boneca russa, uma dentro da outra sem que se chegue ao final, afastando cada vez mais de um tema que, na verdade, não foi tão bem estabelecido no início.

Oolanga gravura da primeira edição.
O assunto central na verdade é a vida de cada um e como cada pequeno detalhe da existência, mesmo que imperceptível ou incompreensível, pode ser importante para compor o todo ou mudar os planos que julgam tão bem traçados. E entrelaçados nisso tudo estão o fantástico e o imprevisível. Dessa forma cada personagem precisa lidar com a frustração de seus planos e seguir em frente: Caswall é sexualmente impotente, e tenta compensar empinando uma pipa chinesa para assustar os pássaros da região. Mimi e Lilla tentam resistir as suas investidas travando combates telepáticos dos quais sairiam derrotadas, se o acaso não as ajudasse. Lady Arabella, procura seduzir Caswall de todas as formas sem sucesso, enquanto o prazo de sua hipoteca termina, Adam Salton xereta nos escuro os segredos de sua fazenda, em busca do Verme Branco e Oolanga vê recusada sua primitiva masculinidade africana.
Entretanto, descobrimos as intenções de Stoker no último capítulo. Com o grande feito de amarrar todas as tramas com um só final que explica e resolve tudo. E esse é um dos grandes êxitos do livro, através de seus exageros e absurdos a estória segue em frente e termina de forma impressionante e magistral. Cada peça em seu lugar, todas as explicações sãos dadas.  Mesmo todo recortado, o livro consegue oferecer diversão ao leitor atento.
É claro que não podemos comparar A Toca do Verme Branco a Drácula, é sem dúvida uma obra menor, com menos alcance, isso porque o mito do vampiro afeta, a cultura popular com pungência universal, o que garante ao Conde Vampiro um frescor que o Verme Branco não pode gozar porque os temas que aborda estão ultrapassados e a modernidade vê com outros olhos.
Talvez o maior exemplo disso seja o racismo sofrido por Oolanga. Caswall se interessa por ele na medida em que é necessário para seus fins. Lady Arabella, como mulher branca de sangue nobre, o vê como um inseto. Até os heróis, Adam e Mimi, dos quais se espera alguma humanidade pelo próximo, o tratam como um verme. O próprio Stoker mostra desprezo pelo personagem, fazendo-o falar um inglês errado e matuto. É desse racismo que nasce uma das situações mais absurdas da trama (CUIDADO AQUI TEM SPOILER): Lady Arabella assassina Oolanga e ninguém se importa com o fato. Nem Caswall seu patrão, nem Adam que testemunha o evento. Ninguém se digna a citá-lo depois disso e ele desaparece da trama, como se jamais houvesse existido.
Um leitor de 1911 teria visto nisso um fato comum e até normal, haja vista que o mundo estava abandonando a escravatura africana, mas não estava nem um pouco perto de ver o negro como gente. Entretanto, para nós, em pleno século XXI, o desinteresse pelo destino de Oolanga choca e é absurdo, porque não nos importa o fato de ser negro; antes de tudo ele é um ser humano.
Outro tema que parece estranho ao leitor de hoje é o mesmerismo (hipnotismo). É desconcertante ler duas sequências de combate mental de Caswall e Lady Arabella contra as primas Mimi e Lilla, depois de se sentarem para tomar o chá como bons vizinhos. Temos a impressão de estar lendo o capitulo do Chapeleiro Louco em Alice No País das Maravilhas. A própria descrição das cenas e estranha, e não causa impressão alguma no leitor. Ninguém consegue visualizar um combate telepático sem achar que falta um pouco de luz e som. Entretanto, o leitor do início do séc. XX considerava o hipnotismo uma arte diabólica, algo medonho e de outro mundo!

Mas hoje arte do mesmerismo é algo comum. Utilizamos para fins medicinais e terapêuticos e não passa pela mente de ninguém que ela possa ser usada como arma de dominação.
Outra questão é o monstro nunca visto. Se há uma criatura na literatura fantástica que não dá as caras, é o Verme Branco. E na edição de 28 capítulos ele aparece muito menos que na de 40 capítulos. No texto integral pode se ler uma incrível perseguição subterrânea do monstro à carruagem de Adam pelas estradas do condado, com uma discrição de deixar o coração na boca! O mesmo não acontece na edição de 28 capítulos. Entretanto o monstro está lá, sempre a espreita em cada página, pois nunca saberemos ao certo qual era a verdadeira relação entre ele e Lady Arabella, que ao contrário, é uma presença constante.
Há muitos questionamentos sobre qual seria sua natureza: a Lady é uma forma de vida reptiliana milenar, que se ocultou no fundo da terra e foi adorada pelos pagãos como uma divindade? Teria ela evoluído a ponto de adquirir forma humana, e fazer uso dela quando necessário? Ou foi vítima da criatura, e sofre de uma estranha simbiose, na qual ambas tem acesso uma à mente da outra?

Acima e aqui, capas de edições
dos últimos anos
Arabella é de fato a personagem mais interessante e detalhada do livro. Linda, charmosa, mas decadente e,  incrível, nada atraente. Como uma mulher tão bela pode causar tanta repulsa? Stoker era mestre em criar anti-heróis. Drácula é o maior anti-herói da literatura universal e Lady Arabella é a anti-heróina do livro. Uma vamp perigosa, mas frágil. Vive aborrecida e assolada por todas as vicissitudes femininas. As imposições da época massacram seu gênero e a impedem de agir como gostaria.
 Ela é mulher, não pode se expor, senão será julgada e condenada socialmente, perderá seu status, assim como está quase perdendo suas posses! E o próprio monstro parece ter consciência disso. Ele precisa que a mulher se case para manter a propriedade e assegurar o segredo do seu covil. Por isso ele também quase não se mostra, ambos não podem ser expor. Portanto comentem seus crimes em segredo, enquanto ela pretende devorar uma fortuna, o verme deseja carne humana, de preferência masculina.
Creio que a idéia de Lady Arabella nasceu de Lucy Westenra, personagem de Drácula, a frágil vampira vestida de branco que só consegue sugar crianças. O branco domina a paisagem de Diana’s Grove, fazenda de Lady Arabella. E ela se veste apenas de branco, como um cadáver ou uma noiva. Vestida sempre assim, ela anda e anda pelos arredores do condado, vigiando e intrigando, como uma alma penada à procura de vítimas.
Seu maior interesse é Caswall, mas precisa dele vivo, até o casamento, entretanto, ele a evita, pois parece que ao invés de excitá-lo, ela torna mais forte sua impotência. É curioso notar que Adam é infinitamente mais rico que Caswall, que vive muito mais de tradição do que da fortuna. Entretanto Arabella pouco se interessa por ele, há aqui outro porém da trama.
Stoker parece ter sido influenciado pelo naturalismo e o Verme Branco está encharcado de teorias naturalistas mais do que qualquer outro livro seu. A começar pelas comparações e equiparações que ele faz entre seus personagens e alguns animais: Lady Arabella é o verme branco; Adam Salton se compara a mangusta, inimiga natural das cobras; Edgard Caswall é comparado a um gavião e Lilla a uma delicada pomba. Já Oolanga era visto como um animal em si mesmo.  Estas relações pode ser notadas até nas gravuras originais do livro, desenhadas pela mística Pamela Colman Smith, que se tornou célebre por desenhar as lâminas do tarot Wait-Smith.

ilustração pra primeira edição, feita
por Pamela C. Smith
 Seguindo nessa linha, há as suposições de Sir Nathaniel sobre o monstro pré-histórico que teria evoluído para a forma humana feminina. Há também o tema do racismo que fica bem explícito na recusa que o negro Oolanga sofre por parte de Lady Arabella, que como os outros personagens, se considera o melhor produto da raça humana só porque é branca.
Há um naturalismo social, no qual podemos inserir as relações entre Caswall, Arabella e Adam. Caswall e Arabella são descendentes de sangue azul puro, numa árvore genealógica que não foi afetada por gene de sangue plebeu. Mas Adam, forasteiro, vindo da Austrália, que é parte do Novo Mundo, é mestiço e novo rico. Por isso a Lady o recusa, porque farejou de longe seu sangue misturado. Entretanto, Caswall tem tradição e linhagem estabelecida, prerrogativas que agradam Arabella.
Podemos encontrar o mesmo raciocínio em Drácula, quando Lucy Westenra recusa os pedidos de casamento de Jack Seward, médico bem sucedido e do cowboy rico, Quincey Morris. Ambos ótimos partidos, mas nenhum deles tinha estirpe aristocrática como Arthur Holmwood, o escolhido. A senhorita Westenra escolhe Holmwood, porque vê nele um igual. Da mesma forma, Drácula a vitima porque a considera sua igual aristocraticamente.
Com Lady Arabella se dá o mesmo. Ela não vê em Adam um igual, mesmo ele sendo mais rico, ela prefere Caswall. O mesmo acontece entre Caswall e Lilla, que tem origem aristocrática, enquanto sua prima, Mimi, é mestiça de ingleses e tailandeses. Caswall enxerga Mimi quase da mesma forma que vê Oolanga. Entretanto os iguais tendem a morrer, pois segundo a teoria genética os iguais não evoluem. Na medida em que genes diferentes se misturam, naturezas diversas se mesclam, as espécies se tornam mais fortes e adaptadas ao meio ambiente. E Stoker aplica justamente o pensamento científico evolutivo a sua estória.

Lilla e Caswall, gravura original
Arabella, o Verme Branco e Caswall não se adaptam a esse novo mundo, do qual fazem parte Adam e Mimi. Por isso se dissimulam ou vivem fechados em suas propriedades. Seus modos de vida, seus hábitos e comportamentos não condizem com os do Novo Mundo. Por isso Caswall é impotente, quiçá infértil, e Lady Arabella causa uma repulsa quase orgânica. Estão destinados pela lei da evolução a desaparecer da face do planeta. Entretanto Stoker faz exceções à regra, talvez para confundir o leitor ou tornar sua mensagem mais complicada: Arabella e Oolanga são iguais e diferentes ao mesmo tempo. Arabella é a serpente branca enquanto que Oolanga é um dragão negro.
Stoker gostava de brincar com os nomes de seus personagens e escondia significados ou trocadilhos neles. Olanga é um nome africano comum, e soa parecido com Oolong (dragão negro) que é o nome antigo de um tipo de chá chinês, daí Oolanga.
O caso de Arabella March possui mais conotações. O nome vem do latim orabilis, isto é “rezar”. Entretanto Ara, em latim significa altar, portanto o nome poderia ser traduzido como “belo altar”, por fim, podemos pensar ainda em Ara-baal ou seja “altar de Baal”, o que revela o aspecto diabólico de sua natureza. Seu sobrenome também possui duplo sentido: March é “março” em inglês, e recorda a Lebre Louca de Março, de Alice no País das Maravilhas, que segundo algumas interpretações era chamada “de março”, porque era o mês da primavera, quando as lebres entravam no cio e se comportavam de modo agressivo e ninfomaníaco. March também possui a mesma pronuncia de marsh, que em inglês quer dizer “pântano” ou “brejo sujo”, lugar bem apropriado para um monstro ofídico viver.

O dragão Wyverm de Lambton
Outro raciocínio permeia as relações entre personagens. Caswall e Arabella representam forças antigas do paganismo morto pelo cristianismo, que é personificado nas figuras de Adam e Mimi. A genialidade de Stoker brinca com o naturalismo e a religião. O cenário rural do livro personifica o Éden, Arabella é a serpente e Adam é o Adão. É possível que Stoker tenha sofrido influências de Arthur Machen, mestre em abordar o paganismo céltico-romano versus a fé cristã em seus contos fantásticos. A visão do Castelo de Castra Régis e da Mansão de Diana’s Grove como antigos templos pagãos é óbvia.
E como se não bastassem todas as inferências, há uma sexualidade transbordante, tal como em Drácula, atingindo níveis que provocavam o constrangimento dos leitores vitorianos. A simbologia sexual é exagerada e debochada, entretanto, é difícil para um leitor moderno percebê-la. A grande, imensa e ereta torre do castelo de Castra Régis é a compensação fálica de Caswall. Castra Régis do latim “campo do rei”, significa por trocadilho “rei castrado” (castrated king).
E não se pode esquecer Diana’s Grove (O Bosque de Diana), cujo nome pode pagão é um eufemismo para vagina: bosque de mata densa, que oculta o fosso profundo e úmido onde se esconde o verme branco. O próprio verme não escapa às conotações sexuais, ele representa o esperma com seu branco leitoso.
         Quem sabe o que mais se pode descobrir? Alguma relação com os símbolos das seitas místicas da Golden Dawn que Stoker frequentava? O leitor atento e realmente interessando, pode trazer muito mais discussões sobre a obra. Por isso eu a recomendo a quem tiver a sorte de encontra e comprar por um bom preço. Mais sorte terá também quem puder ler em inglês, se encontrar, nos sebos internacionais, a reedição do texto integral que saiu na década de sessenta, numa coleção mixuruca de novelas góticas para donas de casa entediadas. Essa edição tem como título The Garden Of Evil (O Jardim do Mal). Eu ganhei uma de presente de uma senhora americana e guardo como muito carinho como uma relíquia literária. Quem tiver a oportunidade de lê-la verá que Stoker criou uma obra interessante e divertida.
         Aconselho a quem se dispuser à leitura, que vá com a mente aberta, sem esperar um livro com a envergadura de Drácula ou Carmilla. A Toca do Verme Branco é como uma versão sombria de Alice no País das Maravilhas. É uma trama pseudogótica, com todas as qualidades e defeitos do gênero: Um vilão louco e seu castelo antigo, um herói almofadinha, donzelas em perigo, uma mulher fatal, uma grande tempestade e um monstro que quase nunca aparece.  


Capa de uma das edições brasileiras
Exagerada, dramática, mas ao mesmo tempo ácida e divertida, com um humor negro, que causa surpresa aos fãs do Conde Vampiro, esse livro, é uma experiência interessante. E será bem mais fácil, rir, se chocar e sentir nojo do que ter medo.

Comentários

  1. Oi Leombrunno, primeiro quero agradecer pelo seu comentário no Dose Literária e dizer que fico muito feliz de ter me convidado a ver seu blog.
    Fiquei boba de ver suas postagens, cheias de detalhes e análises, bem diferente das minhas (sou meio preguiçosa pra escrever, veja só).
    Já está nos favoritos, espero que atualize logo.

    Um abraço!

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  2. Muito bom o texto e suas análises, pontuais e precisas. Parabéns!

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