Poltergeist, o Fenômeno: parapsicologia pop!




"Venha para a Luz Carol Anne, venha para a Luz!"


            Não caro leitor, não vamos falar do filme, quer dizer também falaremos dele. Mas o motivo desse post é o livro. Sim! Existe um livro. É claro que é um book tie-in, mas é bem diferente dos demais. Para quem não sabe um tie-in é um produto licenciado sob o formato de qualquer mídia, que determinada empresa desenvolve e coloca no mercado para a promoção de algum outro produto. O cinema faz isso constantemente: trilhas sonoras, livros de arte visual sobre filmes e até mesmo livros novelizando o roteiro, como é o caso em questão.
            Portanto, o livro Poltergeist, o Fenômeno e um produto lançado para maior divulgação do filme. O escritor que tomou a tarefa de transformar o roteiro em “literatura” foi James Kahn, um dos queridinhos de George Lucas e Spielberg, na hora de novelizar seus filmes. Ele é um físico especializado em atendimento emergencial hospitalar, que nas horas vagas escreve ficção científica. De sua própria autoria há dois livros com pouca atenção, o mais conhecido é World Enough & Time.
O roteiro original pertence a Steven Spielberg, Michael Grais          e Mark Victor, que portanto também são criadores da estória. Mas, a idéia original não pertence a eles. Quem quer que esteja lendo agora, talvez conheça a famosa séria de tv da década de 50, No Limite da Realidade, pois bem, foi de um dos seus episódios que Spielberg tirou a trama. O nome do episódio é A Garotinha que desapareceu em seu Quarto. Os roteiristas só acrescentar mais luz e som à estória, que foi dirigida por Tobe Hooper. Spielberg acompanhou a produção de perto, como produtor, mas podemos ver sua marca registrada em muitos aspectos do filme e do livro.
            Quanto ao livro é de se esperar que maioria das suas diferenças em relação ao filme não sejam inspiração de Kahn. Em geral os book tie-in se baseiam estritamente em roteiros que não foram seguidos, para dar um aspecto de arte literária ao livro. Já que esse tipo de literatura bastarda é rejeitada como produto de mídia para simples consumo e lucro. Os críticos literários simplesmente torcem o nariz e passam longe de livros desse tipo, já que ofendem o prazer da ars gratia ars. Entretanto, Poltergeist é amplamente considerado um bom “livro”, e considera-lo bom é muuuito para um book tie-in.
            No universo das novelizações, eu não me recordo de outro que mereça menção, talvez A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça, baseado no filme de Tim Burton, e Sexto Sentido, ambos books tie-in de Peter Lerangis, mas isso é uma questão muito particular minha, da qual falarei em outro post.
            Fato é que “geralsempre” uma novelização cinematográfica, sai pouco melhor que o filme, quando este já é bom. Os motivos como já falei, são a necessidade de seguir estritamente o roteiro e fazer propaganda. Mas de alguma forma, posso apenas especular, Kahn conseguiu fazer algo excelente. Tenha a Universal Studios cedido a mão e permitido que ele usasse sua criatividade ou talvez ele tenha entendido a estória e conseguiu dominá-la e rearranjá-la sem fugir ao original.
            O que se tem então é uma ampliação engenhosa do universo do filme. Estão desenvolvidas todas as idéias que Hooper e Spielberg não conseguiram explorar. As sequências são ricas em imagens, os personagens ganham profundidade, principalmente Tangina Barrows, a anã médium que surge para ajudar a família Freeling. Sua entrada no livro está bem mais burilada e detalhada, além de dar mais coesão à trama. A subjetividade das personagens é mostrada sem ir além do que o roteiro estabelecia e intensifica a agonia da família Freeling. As digressões não pesam a narrativa, pelo contrário alimentam e preenchem lacunas que o filme deixa.
            Essa pequena novela basicamente não tem nada de surpreendente, é uma estória de casas mal assombrada, como muitas. Segue na esteira de clássicos como Os Mistérios de Udolpho de Ann Radcliff, A Volta do Parafuso de Henry James, A Assombração da Casa da Colina de Shirley Jackson e Burnt Offerings (Holocaustos) de Robert Marasco, só para citar alguns livros célebres.
Poster do filme de 1982
A diferença está no tratamento cético, que afasta questões religiosas sobre fantasmas. Não há nada sobre maldições ou destino trágicos de almas penadas. Do dia para a noite, os Freeling se vêem cercados de manifestações magnéticas, elétricas e cinéticas, que nada tem de maléfico no primeiro momento. Tanto que eles passam a se divertir com tais fenômenos, até que sua filha mais nova, Carol Anne desaparece. Aquilo que pareciam um simples e divertido poltergeist, se transforma numa assombração alarmante.
Há, portanto um apelo científico, e hipóteses sobre o que está além da Vida são esmiuçadas e levantas, sem que sejam dadas respostas. A ciência é representada pela Dra. Lesh e seus assistentes Marty e Ryan. Eles estão estudando a ondas magnéticas e seu efeitos sobre o cérebro de Tangina, quando a médium, em transe, os conduz a casa da família Freeling, no condomínio de Cuesta Verde. Há semanas, os Freeling sofrem com o desaparecimento de sua filha mais nova.
Em meio a uma tempestade feroz, com direito a tornados, Carol Anne foi simplesmente engolida junto com toda a mobília do quarto, por uma abertura dimensional no armário embutido de seu quarto. Seu irmão Michael escapou do mesmo destino, quando o pai, Steve, o arrancou de dentro das entranhas de uma árvore que arrebentou a janela do quarto das crianças e agarrou o menino. Desde então a família está desesperada, sem saber a quem recorrer, tendo como única esperança de reencontrar Carol Anne, a estranha forma de comunicação está estabelecendo: falar através dos canais sem sinal da TV da família.
Na época, em 1980, estava na moda ligar a tv e ter conversas abiloladas com os vultos dos canais sem recepção. Muitas pessoas chegavam a gravar por horas os ruídos e “chuvisco” de suas televisões, na esperança de entrar em contato com o além. Hoje ainda há quem estude esse fenômeno, que só ganhou o interessante do grande o público por causa do filme. Foi uma grande sacada de Spielberg juntar o assunto, com o sequestro sobrenatural de uma criança. Uma idéia tão original, que nunca foi reproduzida ou imitada. Somente os filmes da série Atividade Paranormal e Sobrenatural de 2011, trazem o tema da parapsicologia do terror, mas nem de perto consegue o mesmo efeito. Poltergeist, continua a quintessência do gênero.
Poster do péssimo Sobrenatural
O tipo de terror que explorado é bem singular, e até então não havia sido pensado. Em geral, esperamos demônios, muitos vultos, cenários sombrios e cheios de muito sangue e sujeira. Com Poltergeist é diferente, o terror e o sobrenatural são luminescentes, até mesmo fascinantes, o que confunde os personagens, pois não entendem com o que estão lidando: se é algo bom ou maligno. Spielberg inverte a noção que temos de terror e suas fórmulas, e Kahn segue a receita do mestre no livro. Ainda hoje, os filmes modernos parecem brincadeira de amadores quando comparados do Poltergeist, seus efeitos estão, de certo modo, ultrapassados, mas ainda conseguem encher os olhos.
A sequência da Dama Branca e seu cortejo, é o melhor exemplo disso. Quando ela surge, os parapsicólogos e a família, ficam entre o medo e o deslumbramento. A personagem de Diane é a mais sensível, ela quase sucumbe a beleza da aparição, majestosa, angelical, mas apavorante. Logo após, o cortejo de espíritos desaparece numa implosão incandescente para dar lugar à sinistra manifestação da Besta que raptou Carol Anne. No livro os detalhes são impressionantes e Kahn revela o suficiente para que o leitor entenda o acontecimento sem estragar o mistério, enquanto que no filme isso torna-se furtivo demais.
            Sem dúvida Spielberg e Hooper pretendiam dar mais vazão a sua criatividade, mas um orçamento pequeno ou limitações quanto aos efeitos especiais talvez não tenham facilitado, sendo assim, a narrativa de Kahn completa com riqueza ímpar aquilo que falta nas telas.
            O Mundo do Além de Poltergeist remete às pinturas de Salvador Dalí com um quê de A Casa no Fim do Mundo de William Hodgson. Não é simplesmente o além-vida, é uma outra dimensão onde existências supra-sapientes, habitam livres que qualquer vicissitude humana. Entretanto, a humanidade interessa a esses seres, e seu mundo é apenas um estágio para se chegar ao destino final da Vida, isto é: o Paraíso ou o Inferno. Concluindo dessa forma, parece que se fala do Purgatório, mas não é. Esta dimensão lembra muito mais a planície sem fim onde vagam as almas inconscientes, descrita por Homero em A Odisséia. O livro ganha muito por não aterrissar as idéias sobre concepções comuns à religiosidade cultural de massa, dessa forma aquilo que é velho parece substancialmente novo.
Steven Spielberg
            Essa Dimensão é um local onde “se espera sem se esperar”, como diria a Dama Branca do livro, um personagem engenhoso, que aparece apenas numa cena do filme e de quem nada se fala. No livro, todavia é diferente, ela é uma personagem importante, e é com sua presença que tomamos conhecimento de vários poderes: uns contra a família Freeling, alguns à favor e outros indiferentes, cuja força só é sentida, por causa da rachadura tempo-espaço que foi aberta no momento em que Carol Anne foi levanda de nosso mundo para o outro. Daí a incapacidade dos parapsicólogos de entender o que acontece na casa dos Freeling, muitas entidades estão se manifestando, e não se sabe ao certo contra quem lutar.
            E a força tanto do filme quanto do livre reside na forma como se explora o desespero familiar. Somos obrigados a sofrer junto com os Freeling uma situação que ninguém imagina passar. Ter um filho sequestrado é horrível, entretanto ter um filho sequestrado para uma outra dimensão cujo caminho se desconhece é um horror sem medida.
A todo instante Kahn faz vibrar a angustia dos pais de Carol Anne, gente boa, descente, mas ignorante quanto às questões mais profundas da vida. Os Freeling, cujo significado seria algo como “os liberais”, são o retrato da sociedade alienada pelo mundo das formas, alheios da fé e da qualquer crença. A espiritualidade, está longe deles, só conseguem tocá-la de raspão, quando fumam um baseadinho escondido dos filhos no quarto, depois de um dia de trabalho. São o produto obtuso do american way of life, absortos que estão em seus hobbies de tv à cabo, brinquedos eletrônicos e passeios ao shopping. Ter a filha raptada por uma entidade do além é demais para o seu mundinho de fronteiras tão definidas e sem densidade.
            Mas eles acordam da alienação à força, e conseguem equilíbrio tendo fé naquilo que fez da civilização o que ela é hoje: a família. Em todo o momento estão unidos, e mais uma vez o Poltergeist se singulariza diante das outras estórias de terror, que geralmente mostram a destruição da família assolada pelas forças do além. Steve e Diane estão firmes, cada vez mais corajosos, à ponto de aceitar a experiência inédita que Tangina propõe a ambos para resgatar Carol Anne.
            Após descobrirem que a casa possui uma entrada e uma saída para a outra dimensão, Steve e Diane, precisam enfrentar seus medos. Tangina decide que Diane deverá ir ao encontro da filha, pois a menina sentirá segurança ao ouvir a voz da mãe. Começa então um dos momentos mais poderosos do livro. Diane, uma pessoa comum, deve transformar-se em uma heroína, colocando de lado seus medos para atravessar o umbral entre mundos, rumo ao desconhecido, nas fronteiras da Vida e trazer Carol Anne protegida. A narrativa apela com sucesso para a questão: qual mãe não é capaz do que for preciso para salvar seu filho?
a Besta
            Como é de se esperar, o livro descreve a travessia de Diane e seu encontro com Carol Anne á beira do vórtice de luz ascendente rumo às outras dimensões. Enquanto segura Carol Anne para não ser sugada pela Luz, assiste o arrebatamento, com beleza feérica, dos espíritos atormentados, que Tangina liberta ao exorcizar casa dos Freeling!
            A “criação” de Kahn supera o filme nesses momentos, quando nos guia por reinos do além. Desertos habitados por hordas de espíritos de todas as épocas vagando ao acaso: egípcios, damas da era vitoriana, dandies da década de 20 e homens das cavernas. O texto bizarro de Kahn atravessa pântanos infindos entre dimensões de luz e escuridão, cheios de portais que se abrem e fecham como rasgos de tempo-espaço, para elementais do fogo, dos ventos ou com aparência vegetal atravessem os mundos. Depois de ler o livro, é mais fácil acreditar que o filme foi feito à partir dele e não o contrário.
            A experiência de ler o livro se assemelha é de ver o filme, não é puro e simples terror. Você deseja apenas isso? Então leia Stephen King. Kahn e Spielberg querem mostrar que o Além, longe de ser apenas terror, é deslumbramento. Poltergeist e uma experiência metafísica, quase como Contatos Imediatos do 3º grau. Essa é a assinatura de Spielberg. Veja seus filmes e encontrará essa sinestesia. Um exemplo? O Parque dos Dinossauros, no qual beleza e terror superam um ao outro a todo instante. Não é apenas uma coisa, e isso torna a experiência única.
O único problema que não pode ser evitado é quando se tem acesso a tanto ao filme quanto ao livro: ver o filme antes de ler o livro, torna aquilo que só o livro mostra quase inimaginável. Ao passo que ler o livro antes de ver o filme, diminui o força das imagens do cinema.
Livros que se aproximam desse inimaginável imaginável são Lilith de George MacDonald e A História Sem Fim de Michael Ende. Para aqueles que sentiram curiosidade, aconselho uma busca incessante pelos sebos, pois é um livrinho raro. É mais fácil comprar em sebos online europeus. O editorial Europa-América edita o livro e é responsável pela única tradução em português.
ilustração de Carol Anne por David Levy 2012

Comentários

  1. Muito boa a resenha. Parabéns.
    Tenho o livro e concordo com suas colocações.
    Um abraço!

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