O Rei de Amarelo: A Cor da Loucura

                        Esse livro simples e discreto é uma das obras mais impactantes da literatura insólita. Leia-se insólita como: subrenatural, sci-fi, fantástica e terror. Uso justamente a palavra "insólita" porque creio que abarca perfeitamente as anteriores e oferece uma noção perfeito daquilo que há em O Rei de Amarelo, é um livro único sob muitos aspectos, a começar pelo fato de que é um livro que fala de outro livro, é metaliterário. Só me lembro de outro livro metaliterário, o belo: A História Sem Fim de Michael Ende; ambos falam de um outro livro que leva o mesmo título. Além deles há ainda os textos de H. P. Lovrecraft que se referem ao nefasto Necronomicon. Robert W. Chambers criou um livro cheio de referencias anteriores. É uma releitura e uma renovação das temáticas insólitas, todas elas passam por dentro de O Rei de Amarelo como se ele fosse uma grande encruzilhada. Ele é híbrido, descompensado e despretensioso, e tudo isso conduziu o fascínio de leitores do fim do século XIX, através das décadas do século XX até agora.  Inúmeros autores modernos continuam a sofrer influência do livro, como Neil Gaiman, Sthephen King e Marion Z. Bradlrey

                   Apesar de ser um autor praticamente esquecido hoje, mesmo com mais de uma centena de livros escritos entre romances coletâneas, livros infatins, Chambers mantem-se na lembranças através de O Rei de Amarelo, que adiquiriu com o passar do tempo uma envergadura semelhantes a de Frankenstein: O Prometeu Moderno, Melmoth: o Errante, Drácula e as Histórias Extraordinários de Poe. Cada um desses, na ordem em que citei representa uma "viragem" ou uma guinada na forma de se escrever e pensar em contos insólitos. 


                        Melmoth: O Errante foi o último (e imortal) suspiro de um infeliz pastor chamado Charles Maturin. Em 1820, quando a novela gótica estava praticamente exaurida e prestes a ser enterrada, Melmoth surge como o último lampejo feroz em um crepúsculo irremediável. A novela gótica como se conhecia então morreu, mas a força de seus conceitos e estrutura se mantiveram eternos e vibrantes até agora, em Melmoth. Ele tirou a última raspa do pote e criou um personagem perturbado e perturbador. Através de toda a tragédia e conflito de Melmoth uma nova veia literária se abriu, passando a privilegiar mais o subjetivo do que o efeito do cenário gótico, e assim uma nova classe de contos de terror surgiram pelas mãos de outros artistas, como Sheridan Le Fanu. 

                 Mas um pouco antes, em 1818, Mary Shelley, donzela com 19 anos, escreveu o monumental Frankenstein, obra que compartilha com Melmoth os conflitos íntimos da personagem em sua luta entre o bem e o mal.  Mas a senhora Shelley traz isso, então, sob a luz da ciência que despertava e enchia o Homem de fascínio e medo. Tudo isso culmina novamente em 1897, Drácula de Bram Stoker, no qual o sobrenatural e a ciência entram em combate único e magistral E uma nova guinada corre na literatura insólita. E mesmo hoje com todo o progresso científico, é possível vibrar (deliciosamente) e se fascinar com a ciência velha e capenga de Drácula, pois o livro é tão bom que ganha ares de "científico-vintage" (como está na moda dizer). Com Drácula retorna-se ao cenário gótico, entretanto é apenas pano de fundo, e portanto, se modifica e amplia-se vertiginosamente desde a Transilvânia medieval até a Inglaterra do fim do século XIX; com direito a cowboys em pleno cenário de terror.
O Rei de Amarelo por Jennifer Rogers

                        Entre Frankenstein e Drácula, em 1839 Edgar Allan Poe edita um coletânea de seus contos, a famosa História Extraordinárias que define a noção de conto fantástico-terror-mistério e a  sai do lugar comum das típicas Ghost Story, nas quais somente fantasmas são a causa do terror. Com Poe, a mente e a alma humana se abrem como abismo insondáveis que escondem o mal; o coração humano, sem o sobrenatural, revela enfim seu lado negro. O sombrio de O Barril de Amontillado e o policial em Os Crimes da Rua Morgue são novos expoentes de um terror que nasce do humano e do mundo natural, daquilo que é comum a todos.

                           E por esse caminho chegamos ao Rei de Amarelo que em 1895 foi é o retrato de uma época decadente que terminava, ao mesmo tempo que lançou as bases para o novo. Do Mundo estranho e vago do Rei de Amarelo, brota uma noção totalmente nova do que terror. Quando já não havia mais lugares estranhos e desconhecidos ao Homem no próprio planeta, e nossos mapas já não mostravam mais ilhas ou continentes hipotéticos a serem civilizados, era necessário buscar o desconhecido em outro lugar. Continuávamos, mesmo assim, cheios de apreensão, e quando a ciência voltou seus olhos para o Universo na busca de vida inteligente além de nós, o medo do desconhecido renasceu sob a imagem do alienígena, do povo longínquo de outro planeta ou galáxia.

                      DO Rei de Amarelo assim como as obras de William Hope Hodgson surgiram, respostas à inquietude que sentíamos com o que havia lá fora. Pode-se dizer que o Rei de Amarelo é o protótipo do alienígena, não há nada parecido antes dele. Entretanto ele não é um alien propriamente, porque a noção que temos de alienígena hoje, ainda não estava formada e absorvida pelo senso comum.

                             Ele vem do além, mas não o Além-túmulo ou o Inferno cristão ou pagão. Esse além nos envolve, faz parte da nossa realidade, está no mesmo tecido espacial e temporal, só que não podemos ver. Essa sensação de imensidão que tudo abarca e reúne começou a ser explorada justamente por Chambers e foi a verdadeira paixão de H. P. Lovecraft. Não por isso ele chamou esse novo tipo de terror ou de confronto com o desconhecido de "terror cósmico". E toda a tradição de ficção científica que temos desde os contos Lovecraft até Guerra nas Estrelas passando por Alien: o Oitavo Passageiro, Solaris, O Predador até chegar a obras como As Crônicas de Fogo e Gelo, têm seus alicerces em O Rei de Amarelo.

                 
Carcossa por Irrealist.
  É no livro de Chambers que estão as primeiras referências há um outro Mundo "espacial", quando ele cita o reino de Carcossa de onde se pode ver o aglomerado de estrelas de Híades e a vermelha estrela de Touro, Aldebaran. Isso existe, faz parte do nosso universo, mas está tão distante de nós, que poderíamos pensar que uma civilização estranha do outro lado do universo também pode ver o mesmo. Mas quão parecido com o nosso, esse Mundo é? Ele e místico, tem religião, tem sua própria paranormalidade e seu insólito? E o mais interessante de pensar, o seu sobrenatural pode nos atingir, mesmo há anos-luz de distância?

                       E como isso pode acontecer? Pode ser de forma misteriosa, como apresentar Chambers. Não precisa ser por meio de portais que calculam a distância entre galáxias como em Star Gate, porque como disse antes, o Universo e o que ele contém, e a própria sci-fi interplanetária, ainda nem estavam visualizados como hoje. Entretanto ele se utiliza do mítico para isso. O Rei de Amarelo é uma entidade fantástica antes de tudo, seja ele o que for, pois não é e não pode ser explicado, seja um alien, um deus ou um delírio coletivo....

                               Há nele uma centelha do numinoso, assim como nos deuses das velhas mitologias. Haviam divindades gregas, hindus e mesopotâmicas muitos antigas, mais velhas que o próprio Mundo, cientes de si mesmas antes da própria criação. Eram forças incompreensíveis, irrepresentáveis e difíceis de serem medidas. E mesmo velhas, decadentes e alheias ao Mundo, então governado por deuses jovens e civilizados, eram letais e capazes de suscitar o Apocalipse. É do mítico que Chambers extrai os primeiros conceitos do Rei de Amarelo, uma força antiga e ameaçadora, mas furtiva e muitas vezes imperceptível em seus efeitos destruíveis.

                             Ele evoca nomes estranhos enquanto citas as Híades e Aldebaran, fala de paisagens vagas e mundos ermos, como nas velhas teogonias. Mas esses nomes também vieram de algum lugar, e isso torna tudo mais inquietante. Carcossa, Hastur, Hali, todos nomes saíram das obras obscuras de Ambrose Bierce, essas cidades, pessoas ou lugares surgem em O Rei de Amarelo então como simples referências há algo que "existe" ou em que se acredita. Como uma mitologia fragmentada que deixou rastros culturais em diversos lugares e aos poucos pode ser reunida, os contos de Chambers são parte desses fragmentos.

                   Chambers deu o ponta-pé e depois uma legião de escritores, entre eles Lovecraft continuou a "reunir" mais e mais fragmentos dessa mitologia alienígena que também guarda mistérios sobre a nossa própria criação, como se uma versão diferente da Bíblia ou dos mitos teogônicos tivesse vindo de fora, de outro planeta ou dimensão, para contar as coisas de uma forma diferente.  . Porém Chambers apenas ofereceu os esboços, foi Lovecraft, seu grande admirador quem realmente estabeleceu objetivamente essa noção de terror teogônico e criacionista. Em O Rei de Amarelo encontramos referências sobre outros mundos que Chambers começou a desenhar, uma mitologia inventada, assim como a dO Senhor dos Anéis e dAs Crônicas de Gelo e Fogo. 

                           Mas o próprio Chambers parece não ter se envolvido tanto com sua própria criação, ele escreveu tal coletânea de contos sobre o Rei de Amarelo e parou por aí. Nada há de misterioso nisso, ele era rico e de dedicava a escrita por luxo, de forma que seu livro dá-nos a impressão de um mero exercício de literatura fantástica. Ele se dedicou mais a romances açucarados para solteironas e donzelas casadouras, com mais três livros de cunho macabro; mas nada vingou como este. 
Robert W. Chambers pintando um de seus quadros.

                          Há mistério em O Rei de Amarelo? NÃO! O mistério e o terror estão fora, ele é apenas uma semente plantada na mente de quem lê. Todo fascínio do livro está na sua sugestão vaga sobre esses mundos desconhecidos habitados por estranhos terrores. A beleza e a arte sublime de Chambers estão em provocar em nós a mesma curiosidade que os antigos mitos provocam! Mas adornada pelo macabro e o medonho. Queremos saber mais sobre que é o profano Hastur, onde fica a desolada e erma Carcossa, quem são as infelizes Cassilda e Camilla. São deuses, reis, rainhas, heróis de um mito ou uma história perdida? Toda essa curiosidade obrigou outros escritores a criarem respostas escrevendo outros contos e livros que indicassem outros fragmentos e rastros. 

                          Mas outros também envolvidos pelas mesmas idéia, também ficaram raízes diferentes no solo fértil do mítico inventado e do terror cósmico. No mesmo ano George MacDonald publicou Lilith, uma novela sombria, orientada vagamente pelos mitos hebraicos de Adão e Eva, mas referindo-se há um mundo paralelo com sua própria mitologia, governado por uma mulher poderosa e tão antiga quanto a Criação. Esse mundo bizarro é chamado de Inferno pela humanidade. Lilith, mais do que O Rei de Amarelo é responsável por O Senhor dos Anéis e As Crônicas de Nárnia e outras tantas mitologias e sagas inventadas que hoje abundam nas livrarias ou estão esquecidas.

                                  
 O QUE LOVECRAFT PENSAVA:


O Rei de Amarelo concepção artística de 文太.
                  O Horror Sobrenatural da Literatura, Lovecraft deixa evidente sua admiração pelO Rei de Amarelo, apesar da escrita mecânica e estudada de Chambers, porque como já dito, ele se interessava por escrever mais por passatempo do que por arte. Lovecraft ressalta as influências francesas que Chambers sofreu, por viver muito tempo na França, em especial citando o livro Trilby de George Du Maurier e considera O Símbolo Amarelo o melhor conto do livro. O interesse de Lovecraft por O Símbolo Amarelo parece ter sido tão grande que, muitos escritores consideram o signo de Koth  uma outra referência ao símbolos amarelo em seu conto A Busca em Sonhos pela desconhecida Kadath. Outra referência direta de Lovecraft ao Rei de Amarelo está em seu conto Aquele Que Sussurra na Escuridão. E o próprio Necronomicon também foi influenciado pela obra de Chambers. Para Lovecraft "Chambers, como Rupert e alguns outros titãs caídos, está dotado de inteligência e cultura adequadas, mas não está nada acostumado a utilizá-las".  por E por fim lamenta, com qualquer um que já leu o livro, o fato de Chambers não ter continuado a escrever contos de terror. Em carta ao seu amigo e também escritor Clark Asthon Smith, em 1 de outubro de 1927, ele elogia as coleções seguintes que Chambers escreveu, The Maker of Moons, The Tracer of Lost Persons, Police!!!, The Tree of Heaven e The Mystery of Choice, todas com temática variada mas contendo ótimos contos de terror. E depois reclama decepcionado das duas úncias novelas de terror escritas por Chambers: Athalie e The Slayer of Souls, dizendo que são bisonhas e que depois de um quarto de séculos, Chambers não consegue mais recriar a atmosfera macabra de O Rei de Amarelo.
 Em seu ensaio


                               COMO SE DÁ O REI DE AMARELO:

                                 A edição original de Chambers é composta de 10 contos alguns bem curtos, nos quais reina a vida boêmia e decandência de artistas que sonham com fama e dinheiro. Todos tem sua porção de macabro, mas apenas os cinco primeiros possuem relação com o Rei de Amarelo.  Os dois primeiro contos O Reparador de Reputações e A Máscara possuem uma sutil relação que funciona como um mise ne abime, isto é, um abismo dentro do outro, com se uma história estivesse dentro da outra, um efeito comum em As Mil E Uma Noites. Depois Na Côrte do Dragão que funciona de forma independente dos anteriores e por fim O Símbolo Amarelo que encerra a primeira parte da coletânea sobre o Rei de Amarelo. Depois há uma histórica clássica de terror chamada A Demoiselle d'Ys que evoca o nome Hastur, surgido nos contos anteriores, mas não fala do Rei de Amarelo. Os demais contos são todos boêmios, mas seu teor macabro decresce consideravelmente, a ponto de não serem publicados nem em inglês. O fato de Chambers reunir dois grupos de histórias tão diferentes, demonstra seu pouco interesse em fazer algo mais profundo ou com coerência maior. Felizmente os cinco contos finais do livro não estragam o prazer que os cinco primeiros oferecem.

                             O Reparador de Reputações - como o próprio nome do conto sugere, será um tanto psicótico... o título parece saído de um capítulo de Alice no País das Maravilhas ou de Laranja
edição americana recente.
Mecânica
, mas não se engane, é uma dos melhores contos da literatura sobre loucura. A começar pelo fato de que Chambers é o primeiro escritor a romper com a regra de ouro da literatura: "Tudo o que é lido deve ser considerado verdade". Surge com este conto, aquilo que se pode chamar de anti-história, porque a realidade do que se lê fica a cada página mais instável e macabra. É nesse conto que temos as informações principais sobre O Rei de Amarelo, que na verdade é uma peça teatral de vanguarda com dois atos, cada um com duas cenas. A leitura do primeiro ato nada tem de perigoso, mas basta iniciar a segundo ato, e o leitor começa a sofrer de ânsias, e se conseguir chegar ao final do livro, vai enlouquecer devido a certas "verdades" escritas ali e portanto reveladas. O narrador do conto nos diz que o livro tornou-se não só um sucesso editorial, mas uma calamidade pública. Depois que muitos enlouqueceram, ele foi recolhido das livrarias e em muitos países se proibiu sua publicação. Ninguém sabe o que realmente contém o livro e seu autor não é citado, mas basta a menção de seu nome para que os personagens envolvidos tremam de medo só em vê-lo numa estante. O primeiro conto mostra os efeitos nefastos da sua leitura;
 É também nesse conto que vemos uma das primeiras fantasias literárias sobre conspirações  e sociedades secretas ou seitas sombrias, com algum tipo de religião paralela.

                           Eu acredito que Chambers propositalmente não quis dar nome ao "autor" do livro porque talvez desejasse que, nós, leitores pensássemos que ele foi "escrito" por Ambrose Bierce. Ora, nada mais natural, já que todos os nomes relacionados ao Rei de Amarelo saíram de obras de Bierce. Até onde se sabe, Bierce morreu misteriosamente e ninguém sabe quando e onde foi, nem sabem onde está seu corpo. O escritor simplesmente desapareceu na guerra civil dos Estados Unidos. Em um dos contos, há uma furtiva referência ao autor do livro que morreu de forma trágica. Para mim, Chambers quer sugerir que Bierce é o autor de O Rei de Amarelo.

                         A Máscara - possui uma frágil relação com o primeiro conto, mas ela não é explorada. O importante é que a força atmosférica do fantástico está dividida entre dois eventos, o primeiro é uma descoberta de cunho científico e artístico que mudará tragicamente a vida de três amigos enquanto a leitura do Rei de Amarelo é o segundo evento e pano de fundo geral;

                               Na Côrte do Dragão - neste o narrador descreve perturbações posteriores à leitura do livro e sua busca por paz em uma igreja francesa. O final é arrebatador e termina em aberto, já que o narrador parece descrever o seu próprio fim;

                                O Símbolo Amarelo - possui tanta intensidade quanto o primeiro conto e sintetiza os temas e cenários dos contos anteriores: estão presentes o artista, sua musa, a religião, o delírio e principalmente o Rei de Amarelo.
concepção artística do símbolo amarelo.

                             A Demoiselle d'Ys - fala sobre um homem que se perde em um bosque e se encontra com um grupo curioso de pessoas e entre eles a bela Demoiselle d'Ys, porém algo terrível vai acontecer por ter encontrado esse pequeno recanto remanescente do "Éden".


                                    A Rua dos Quatro Ventos - apesar de desconsiderado em seu efeito, esse conto possui uma atmosfera estranha e macabra, já que trata de um homem que se vê atraído por um gato de olhos amarelos e encontra o seu fim. O interessante é a menção aos olhos amarelos do animal. Os demais contos, como disse antes, não tem nada que interesse aos leitores que buscam o terror ou o fantástico.
Ilustração original de O Rei de Amarelo, feita pelo próprio autor.



                                    O SEGREDO DO AMARELO:


                             Mas por que o rei veste amarelo? Esta cor está cheia de significados desagradáveis. Eu particularmente odeio amarelo, me recuso a usar roupas dessa cor. Apesar de ser a cor do ouro e o Sol, o amarelo é a cor dos doentes, é a cor da palidez insalubre. Os cadáveres amarelam antes de começarem a escurecer devido a podridão. É a cor do medo, pois quando sentimos medo ficamos pálidos. Para os chineses é a cor da Morte, mas mesmo assim, eles possuem um governante sábio e mítico, chamado de Imperador Amarelo, a quem se atribuem dois dos maiores estudos de medicina chinesa.

                    Amarelo vem do latim amarus, amargura, desgosto. A escritora Charlotte Perkins Gilman também ficou célebre por escrever um conto relacionado à cor, O Papel de Parede Amarelo relata os delírios apavorantes de uma mulher considerada doente que é obrigada a se recuperar em um quarto decorado por um papel de parede com desenhos bizarros e cor amarela. Jesús Palacios, em sua introdução para a edição espanhola da Valdemar sugere que Chambers conhecia O Rei da Máscara de Ouro de Marcel Schwob, e que o amarelo da máscara dourada influenciou na criação de O Rei de Amarelo. O amarelo, portanto é a cor da decadência, e Chambers sabia disso, influenciado pela cultura chinesa e pelo decadentismo da cultura francesa e da revista XXXXX. 

  
                              Entre 70 e 80 a editora brasileira Globo, seguindo uma tendencia franco-italiana, editava uma coleção de novelas de crime e mistério chamada Coleção Amarela, por que tradicionalmente a cor amarela representa esse tipo de literatura. Assim como a imprensa amarela na Europa representa aquilo que no Brasil chama-se Imprensa Marrom, que explora escândalos e apela para o sensacionalismo barato. Em certas regiões do Brasil, as casas de prostituição são chamadas de "Casas Amarelas" ou "Casas da Luz Amarela".
gravura original feita por Chambers para o livro.

                                Na época de Chambers o amarelo era a cor da decadência e sem dúvida, ele lia a revista artística inglesa The Yellow Book (o livro amarelo), voltada para o decadentismo e a estética do fin de siècle. Oscar Wilde se refere a um livro amarelo que influenciou a educação pervertida de seu personagem em O Retrato de Dorian Grey, talvez se referi-se a revista. Assim como Dorian, os personagens dos contos finais de O Rei de Amarelo revelam uma vida decadente por conta de suas perversões, entre elas a sexual, que fica velada no último conto, mas pode ser percebida. Assim a coleção de contos não parece tão díspar. O que ocorre, na verdade, é uma gradação que vai do fantástico nos primeiros contos, tingidos de vívido amarelo fantástico até o amarelo prosaico da vida comum. Quando vemos por esse ângulo, a reunião dos contos adquire um sentido inteligente e original.


                               EXISTE UMA VERSÃO DA PEÇA DO REI DE AMARELO?

                                Atenção! Aqui contém spoilers. Tais informações podem atrapalhar o efeito da leitura de O Rei de Amarelo.

                               Alguns já tentaram criar a peça, mas o único a ter sucesso foi James Blish ao recriar a peça em seu conto More Light. No primeiro Ato... os acontecimentos se dão em  Hastur, uma cidade próxima ao Lago Hali. Cassilda é a rainha da cidade está em guerra com a cidade rival de Aldebaran. Ambas as cidades estão se engajando em um longo cerco uma contra a outra, causando muita tensão. Surgem seus filhos: Príncipe Uoht , Princesa Camilla , e o príncipe Thale e seu neto A Criança, cuja paternidade nunca é mencionada nem o nome. Cassilda procura pelas recantos da cidade "o sinal amarelo", um símbolo que irá anunciar o retorno de do Rei de Amarelo, que pode parar guerra, em favor de Hastur. O sacerdote Noatalba de Hastur, encontra um homem mascarado chamado O Fantasma da Verdade que usa o sinal amarelo em seu manto e que avisa a desesperada rainha sobre as verdadeiras intenções do Rei de Amarelo. Diz que ele está vindo não para salvar a cidade de Hastur, mas destruí-la. A única maneira de pará-lo é usar uma máscara especial, a Máscara Pálida, semelhante a que usa o Fantasma. A máscara representa a verdade, que pode vencer o Rei de Amarelo. Ele então aconselha Cassilda a dar uma festa, exigindo que os nobres usem todos uma máscara pálida, para que assim a verdadeira apareça e possa afugentar o Rei de Amarelo.

                             
Gravura original feita por Chambers para o livro.
 O segundo ato abre com baile de máscaras, as pessoas da cidade usam máscarsa pálidas e à meia-noite tiram suas máscaras. Apenas uma convidado não retira a sua, é Rei de Amarelo. Então o Fantasma da Verdade revela a Cassilda e Camilla que a máscara não pode ser retirada da sua face; é parte de seu rosto, pois o Fantasma havia fundido a máscara sobre seu rosto para deter o poder maléfico do Rei. Mesmo assim, em um novo confronto o Rei de Amarelo fere mortalmente o Fantasma e afirma seus termos para poupar o povo de Hastur. Eles devem declarar guerra a Aldebaran, a fim de provar que merecem sobreviver a sua ira, e finalmente, conquistar o planeta para o Rei de Amarelo. O Rei de Amarelo, por sua vez, não voltará para reclamar seu trono até que Hastur conquiste todo o planeta ou seja dizimada por seus inimigos. Noatalba agradece ao rei por sua misericórdia, mas isso o aborrece. Então faz uma última exigência ao  povo, por aceitarem a presença do Fantasma da Verdade: Todos os moradores de Hastur deve sempre usar as máscaras que usavam no baile de máscaras, e assim deve ser com as futuras gerações até que o fim dos tempos. O Rei de Amarelo triunfa sobre o horror da rainha Cassilda. A cena final mostra o Fantasma da Verdade levantando-se do chão horrivelmente desfigurado pelo rei, no ataque de amarelo e A Criança o segue para fora do palácio.


                             ONDE ACHAR O LIVRO?

                          A minha edição é espanhola, da editora Valdemar, foi publicada em 2011 e a procura foi tão grande que esgotou no mesmo ano e agora em 2014 foi reeditada e pode ser encontrada como El Rey de Amarillo. Eu comprei correndo porque ela possui um diferencial em relação às outras: não possui apenas os contos célebres sobre o Rei de Amarelo, mas outros contos interessantes que Chambers editou em outras coletâneas. Estão entre eles The Maker of Moons (O Criador de Luas), (O The Purple Emperor (O Imperador Púrpura) e The Key to Grief (A Chave da Dor). The Maker of Moons é também o nome de uma coletânea semelhante aO Rei de Amarelo, na qual os primeiros contos falam de terror e os últimos são histórias comuns.


                       Em português não precisa ir muito longe para adquirir o livro, aqui no próprio blog fiz a propaganda da edição da Clock Tower. Ela também possui um plus, substitui os contos comuns do livro original por contos de Ambrose Bierce e E. Allan Poe relacionados ao universo do Rei de Amarelo. Além disso a tradução foi feita com base em originais que Chambers não editou possuem diferenças em relação as edições comuns. Assista o booktrailer da editora Clock Tower para adquirir o livro, devido há muitos pedidos, eles abriram novamente a venda por internet, para uma edição de luxo com belas gravuras, capadura e marcador de texto, ideal para quem coleciona, mas só até dia 25 de dezembro! veja o video no youtube: 

https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=65kmFYb-EWM


gravação em metal da capa original de livro e texto fictício em latim.

                                  O livro de Chambers pode não nos enlouquecer, como faz com seus personagens, mas continua fascinando e obcecando leitores e artistas. Prova disso é que sai em maio nos Estados Unidos uma versão em gibi de O Rei de Amarelo feita pelo desenhista inglês I.N.J. Culbard. Ele se tornou célebre por fazer cômicos de alguns livros de Lovecraft, O Caso de Charles Dexter Ward,  The Shadow Out of Time e The Dream-Quest of Unknown Kadath. Seus títulos são lançados pela Brit Literary Comics e a SelMyHero. Depois que a série True Dectetive lançou nova luz sobre o livro, o Rei de Amarelo voltou do além e anda vagando por livrarias e lojas de revistas especializadas, com o mesmo frisson de cem anos atrás.

capa do gibi inglês do Rei de Amarelo.







Comentários

  1. Excelente postagem. Descobri o blog hoje e comecei por essa extraordinária matéria, publicada em dezembro de 2014. Parabéns. Já salvei em meus favoritos e aguardo novidades.

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  2. Ah! E fica o convite para conhecer minha obra:
    https://www.facebook.com/obairrodacripta
    https://www.facebook.com/pages/MRTerci/249913381867448
    Grande abraço.

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  3. M.R. Terci,

    Obrigado por visitar e acompanhe. O blog fica um pouco parado porque estou sempre lendo muita coisa e estudando. Mas já há novas resenhas para postar!

    Vou olhar seus links!!! Gracias y salud, El Librero!!!!

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  4. Obrigada pela postagem, estou lendo o livro e desesperada para conhecer mais sobre todo esse mistério. Seu conteúdo foi o mais completo que eu encontrei.
    Parabéns, e obrigada mesmo!

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    1. Obrigado Mariana, que bom que gostou. Volte sempre, logo haverá mais postagens sobre outros livros interessantes! El Librero!

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  5. Depois de receber tantos elogios pelo artigo. Devo dizer que és merecedor. E que alimenta uma certa curiosidade em saber sobre a pessoa que o escreveu.

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